quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Literatura gótica

Na literatura gótica é possível encontrarmos uma definição estética e ideológica sobre os vários aspectos que compõe esta sub-cultura. Basicamente, os temas que a envolvem criam uma atmosfera sombria em cenários medievais, aliados a enredos em que os principais personagens são os anti-heróis.

Com a popularização da literatura, o movimento gótico e suas manifestações ganharam adeptos na sociedade burguesa e principalmente entre os escritores que surgiam e se identificavam com esta proposta soturna. Os sentimentos de tristeza profunda, melancolia, intimismo e egocentrismo foram aliados a temática gótica, criando os alicerces e definindo com nitidez o estilo literário que seria incluído no segundo período do Romantismo.

A literatura gótica, de linguagem e temas lúgubres, seria classificada no segundo período do Romantismo como o “Ultra-Romantismo”. O prefixo “ultra” foi adicionado a palavra “romantismo” para identificar a excessiva valorização sentimental inserida ao estilo. Ainda sim, foi uma classificação suave para definir contos e poesias inspirados na face obscura da alma humana.

Também chamado de “mal-do-século”, o ultra-romantismo combinava em si os elementos da literatura gótica somados ao pessimismo, tédio intrínseco, escapismo, culto da solidão e subjetivismo. Mesmo assim, não se pode dizer que exista uma diferença relevante entre literatura gótica e ultra-romantismo; há apenas um acréscimo de valores espirituais e emocionais à medida que a linguagem e os temas foram se expandindo. Enfim, literatura gótica e ultra-romantismo são essencialmente a mesma manifestação literária.

É importante salientar a oposição social e principalmente acadêmica em relação a literatura gótica. Os poetas ultra-românticos eram pejorativamente chamados de “poetas de cemitério’’. E todos os escritores e leitores adeptos do goticismo classificados como “alunos da escola de morrer cedo”. Porém, a contribuição da produção ultra-romântica para a literatura mundial é inegável. Temos como um ótimo exemplo de escritor gótico o Álvares de Azevedo temos um exemplo de sua obra logo abaixo.

SONHANDO

Na praia deserta que a lua branqueia,

Que mimo! que rosa! que filha de Deus!

Tão pálida... ao vê-la meu ser devaneia,

Sufoco nos lábios os hálitos meus!

Não corras na areia,

Não corras assim!

Donzela, onde vais?

Tem pena de mim!

A praia é tão longa! e a onda bravia

As roupas de gaza te molha de escuma...

De noite, aos serenos, a areia é tão fria...

Tão úmido o vento que os ares perfuma!

És tão doentia...

Não corras assim...

Donzela, onde vais?

Tem pena de mim!

A brisa teus negros cabelos soltou,

O orvalho da face te esfria o suor,

Teus seios palpitam — a brisa os roçou,

Beijou-os, suspira, desmaia de amor!

Teu pé tropeçou...

Não corras assim...

Donzela, onde vais?

Tem pena de mim!

E o pálido mimo da minha paixão

Num longo soluço tremeu e parou,

Sentou-se na praia, sozinha no chão,

A mão regelada no colo pousou!

Que tens, coração

Que tremes assim?

Cansaste, donzela?

Tem pena de mim!

Deitou-se na areia que a vaga molhou.

Imóvel e branca na praia dormia;

Mas nem os seus olhos o sono fechou

E nem o seu colo de neve tremia...

O seio gelou?...

Não durmas assim!

O pálida fria,

Tem pena de mim!

Dormia: — na fronte que níveo suar...

Que mão regelada no lânguido peito...

Não era mais alvo seu leito do mar,

Não era mais frio seu gélido leito!

Nem um ressonar...

Não durmas assim...

O pálida fria,

Tem pena de mim!

Aqui no meu peito vem antes sonhar

Nos longos suspiros do meu coração:

Eu quero em meus lábios teu seio aquentar,

Teu colo, essas faces, e a gélida mão...

Não durmas no mar!

Não durmas assim.

Estátua sem vida,

Tem pena de mim!

E a vaga crescia seu corpo banhando,

As cândidas formas movendo de leve!

E eu vi-a suave nas águas boiando

Com soltos cabelos nas roupas de neve!

Nas vagas sonhando

Não durmas assim...

Donzela, onde vais?

Tem pena de mim!

E a imagem da virgem nas águas do mar

Brilhava tão branca no límpido véu...

Nem mais transparente luzia o luar

No ambiente sem nuvens da noite do céu!

Nas águas do mar

Não durmas assim...

Não morras, donzela,

Espera por mim!

Morte & Poesia

Mais do que em outras gerações do romantismo, o ultra-romantismo se destacou através do sentimentalismo excessivo e sombrio. Além disso, vários de seus autores tiveram a existência marcada pelo sofrimento, e um reconhecimento literário póstumo.

O autor Cruz e Souza teve o casamento atormentado pelos distúrbios mentais de sua esposa, e a morte de seus quatro filhos vitimados pela tuberculose pulmonar. Edgar Allan Poe viveu na miséria por muito tempo. O escritor e religioso Junqueira Freire morreu, prematuramente, aos 23 anos. Casimiro de Abreu morreu enfraquecido pela tuberculose em 1860, três meses antes de completar 22 anos.

Assim também foi a trajetória do mais famoso ultra-romântico brasileiro: Álvares de Azevedo. O paulista viveu e escreveu sob a tétrica fluência Byroniana, falecendo precocemente no dia 25 de Abril de 1852, aos 21 anos. Enquanto seu corpo era sepultado, o amigo Joaquim Manuel de Macedo recitava Se Eu Morresse Amanhã; obra escrita por Álvares de Azevedo poucos dias antes. Mas o poeta teria pressentido sua morte?

O inglês Lord Byron morreu aos 36 anos, mas sua poesia é vasta, pontuada nos temas fúnebres e sobrenaturais. Em sua inacabada obra Don Juan, escreveu: Sobre o tálamo nupcial, dizem os rumores/ Na noite das bodas de leve esvoaça/ Mas ao leito de morte de seus senhores/ Não falha - para gozar a desgraça... Esta é uma alusão ao fantasma do Frade Negro. Há uma lenda, que esta aparição invadia a mansão da Família Byron regozijando-se nas tragédias; por outro lado, apresentava-se com feições pesarosas nas ocasiões felizes. Mas este fantasma teria atormentado, e de certa forma, inspirado Lord Byron?

O conceito do suicídio também está presente, mas algumas vezes, esta idéia foi além dos versos e alcançou a vida dos autores. Abalado com o falecimento de seu avô, Lovecraft tentou se matar aos 14 anos, atirando-se de bicicleta no rio Barrington. A biografia da poetisa Florbela Espanca nos traz um exemplo fatal: após casamentos infelizes, rejeição da família e da sociedade e dois abortos, Florbela suicidou-se aos 36 anos ingerindo uma dose excessiva de medicamentos.

As tragédias pessoais também alimentam a inspiração ultra-romântica. Fagundes Varela escreveu Cântico do Calvário, uma homenagem ao seu filho morto aos três meses de idade. Ainda sofreu a perda de outro filho em seu segundo matrimônio, e faleceu aos 34 anos em absoluto desequilíbrio mental.

Ainda neste contexto, podemos citar novamente Florbela Espanca. A poetisa portuguesa é autora de As Máscaras do Destino; dedicada ao seu irmão que também cometeu suicídio. Alphonsus Guimaraens perdeu sua noiva Constança, vitima de tuberculose aos 17 anos. Mesmo casando-se posteriormente, toda sua vida e obra foram marcadas por esta ausência.

Portanto, a saúde frágil e muitas vezes debilitada pela incurável tuberculose (segundo o inglês Shelley: “a doença da moda”), decepções afetivas, fracassos financeiros e a perda de entes queridos formaram um quadro dramático comum aos poetas, que parece ter contribuído intensamente na inspiração e refletido nos temas soturnos do estilo. Assim, a alma dos ultra-românticos manifestava o tédio, melancolia e desilusão em que viviam imersos. Mas seriam os poetas “tristes de nascença”?

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